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sujeito se sente apartado, a função depressiva seria, então, de ordem
narcísica, de preservação e garantia desse espaço. [...] Isso significa
que, ao se encarregar de preservá-lo, a depressão se torna a função mais
fundamental da vida psíquica ou a própria condição desta. A vigilância
sobre o espaço da psique torna-se premente quando da ameaça sobre a
sua permanência, lançando mão da defesa depressiva. A depressão surge,
portanto, à semelhança da angústia, como evocação de lembrança da
ameaça inaugural sobre o espaço de gozo mítico de origem. (Delouya,
2001, p.44-5)
Ou seja, a depressão seria, portanto, uma organização narcísica na
medida em que a preservação do espaço de gozo visa à perpetuação
e à manutenção do próprio narcisismo primário, este enquanto me-
diado essencialmente pelo princípio do prazer , em que a satisfação
das pulsões não encontraria impedimentos. Em suma, onde o outro
enquanto sede dos significantes (outro como linguagem), enquanto
representante da alteridade subjetiva, não se configurasse como via
essencial e necessária, constituindo uma hiância entre o sujeito e seu
próprio desejo. Poderíamos conceber, desta forma, que a depressão, ao
mesmo tempo em que defende o sujeito de um possível luto, também
prepara o ego para o enlutamento.
A esse respeito, não podemos nos furtar de considerar outro artigo
de Freud (1914-1916; 1996), intitulado Sobre a transitoriedade, no qual
são apontadas mais algumas ponderações a respeito da preparação do
ego para o luto. Nesse brevíssimo artigo, Freud relata um passeio que
faz na companhia de dois amigos em um dia de verão e observa que um
de seus colegas, o poeta, admirava a beleza toda a sua volta, contudo,
não extraía disso qualquer sentimento de alegria.
Perturbava-o o pensamento de que toda aquela beleza estava fadada à
extinção, de que desapareceria quando sobreviesse o inverno, como toda
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beleza humana e toda a beleza e esplendor que os homens criaram ou
poderão criar. Tudo aquilo que, em outra circunstância, ele teria amado
e admirado, pareceu-lhe despojado de seu valor por estar fadado à tran-
sitoriedade. (idem, p.345)
Diante desse fato sobre a natureza de todas as coisas, a saber, seus
destinos inevitavelmente transitórios, Freud nos indica o desenvol-
vimento de dois tipos de impulsos diferentes na mente: o desalento
penoso sentido pelo poeta e a revolta e rebelião quanto a essa condição
das coisas. Ao argumentar com seus colegas sobre a elevação/valori-
zação das coisas que a própria condição de transitoriedade trazia (ao
invés de diminuir seus valores), e percebendo que pouco tocavam-no
as observações feitas a esse respeito, Freud só pôde considerar que
algum fator emocional muito poderoso achava-se em ação, fazendo-os
perturbar o discernimento. Freud conclui, então, a esse respeito:
O que lhes estragou a fruição da beleza deve ter sido uma revolta em
suas mentes contra o luto. A ideia de que toda essa beleza era transitória
comunicou a esses dois espíritos sensíveis uma antecipação de luto pela
morte dessa mesma beleza, e como a mente instintivamente recua de algo
que é penoso, sentiram que em sua fruição de beleza interferiam pensa-
mentos sobre sua transitoriedade. (idem, p.346)
Esse recuo diante de tudo que é penoso, bem como a revolta con-
tra o luto ao mesmo tempo em que se forja uma antecipação do luto
propriamente dito, evidencia a confluência da própria pulsão de
morte (inerente ao sujeito), coincidindo com os fatos da transitorie-
dade confirmados pela prova de realidade efetuada no seu mundo
circundante, ou seja, como Freud (1920; 1998) expõe em Além do
princípio do prazer, evidenciando a existência da pulsão de morte, a
qual insiste em fazer-se reconhecer e obter satisfação por meio das
repetições, denotando o embate eterno entre vida e morte no próprio
interior do sujeito, na medida em que a prova de realidade confirma a
efemeridade das coisas e da natureza, bem como da vida de uma forma
geral. Essa constatação é uma afirmativa (por um viés retroativo) da
A DEPRESSÃO COMO MAL-ESTAR CONTEMPORÂNEO 81
própria verdade do real1 pulsional do sujeito. O fenômeno da transito-
riedade confirma para o ser, em sua existência com relação ao mundo,
que tudo está fadado a perecer com a passagem do tempo, retornando
então a um estado anterior à vida.
[...] ele deve ser um estado de coisas antigo, um estado inicial de que a
entidade viva, numa ou noutra ocasião, se afastou e ao qual se esforça por
retornar através dos tortuosos caminhos ao longo dos quais seu desenvol-
vimento conduz. Se tomarmos como verdade que não conhece exceção
o fato de tudo o que vive morrer por razões internas, tornar-se mais uma
vez inorgânico, seremos então compelidos a dizer que o objetivo de toda
a vida é a morte , e, voltando o olhar para trás, que as coisas inanimadas
existiram antes das vivas . (idem, p.49)
Assim, a verdade constatada por intermédio da prova de reali-
dade concretizada no simples fato de viver no mundo, confirma ao
sujeito a verdade de suas pulsões, especificamente a dimensão real
daquelas, sua dimensão não passível de simbolização só podendo se
expressar por meio das repetições e da dimensão ensurdecedora
das lacunas e vazios do desejo, bem como dos silêncios inefáveis do
próprio discurso.
Quanto ao processo ou trabalho de luto relacionado à questão da
pulsão de morte, podemos perceber que essa tendência do sujeito
rumo à finitude, a qual não pode ser simbolizada, paradoxalmente
impele, como uma força motriz, o sujeito ao enlutamento, o qual, no
interior e na vivência desse processo doloroso, pode simbolizar suas
perdas, efetivando o afastamento necessário de tudo que pode causar
dor e angústia, visando à reorganização psíquica e ao reequilíbrio
dinâmico libidinal.
Acreditamos que a força que, no luto, nos leva a separar-nos do morto
é uma das expressões da pulsão de morte, tal como a concebemos. De fato,
1 Termo referente aos registros Simbólico, Imaginário e Real, de J. Lacan; O real
impossível de ser escrito /simbolizado, referente ao registro das pulsões no
psiquismo.
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postulamos que a pulsão de morte é essa força interior que tende a nos
desembaraçar de todos os obstáculos ao movimento da vida. A pulsão de
morte conserva a vida. Assim, o luto é um lento processo de separação vital
do morto e de regeneração do conjunto do eu. (Nasio, 1997, p.187)
Por fim, é somente por meio do trabalho de luto que o sujeito
tem condições de simbolizar as eventuais perdas reais ou imaginárias
no seu existir. Todo o processo que o luto envolve, seus mecanismos
psicológicos próprios, como o teste de realidade , subsequentemente
a retirada de catexia do objeto perdido, seguida progressivamente de
um reinvestimento libidinal em direção a novos objetos, tudo isto é
fruto de um processo de simbolização que só o luto pode realizar. Neste
sentido, o trabalho de luto tem por finalidade significar e simbolizar a
dimensão da falta (perda), ao mesmo tempo em que protege o ego de ser
destruído. Em suma, o luto é um processo vital para o restabelecimento
e reorganização do sujeito diante de sua ferida narcísica denunciada
e (re)evidenciada por uma eventual situação de perda.
E o luto é aquilo que o humano carrega em sinal de um segredo, quando
a morte retira da fala e do seu gesto corporal o outro que fundava o reco-
nhecimento de uma realidade, garantindo assim sua íntima identidade.
A relíquia2 que não deixa de ter semelhança ou relação com o fetiche
lembraria que o luto, antes de ser concebido como um trabalho, protege o
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